O registro civil no Brasil foi criado de maneira formal e generalizada com o Decreto número 5 604 de 25 de abril de 1874, cujo artífice principal foi o então deputado geral do Império do Brasil, João Alfredo Correia de Oliveira.
O decreto 5 604 regulamentou o registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos.
A partir do ano seguinte, 1875, algumas cidades brasileiras (somente os grandes municípios) deram início paulatino à criação de ofícios do registro civil, os chamados “cartórios do registro civil”.
Antes de 1875 já haviam surgido anteriormente iniciativas de implantar o registro civil no Brasil. A principal delas remonta a 17 de abril de 1863 com a edição do Decreto n.º 3 069 que dava efeitos civis a registros de casamentos de acatólicos, ou seja, os cidadãos que não fossem católicos, mas praticantes de outras religiões “toleradas” pelo Império, poderiam ter seu casamento reconhecido pelo Estado, fato que anteriormente causava problemas, mormente em casos de sucessões e heranças. Variando em cada município, os casamentos de acatólicos eram registrados em livros de assentamento de paróquias (principalmente imigrantes de religião luterana) ou pela prefeituras.
Esta medida visava a atender a crescente demanda da imigração, claramente a alemã.
A universalização do registro civil foi imposta pelo Decreto 9886 de 7 de março de 1888, que instituiu a obrigatoriedade do registro de nascimento, casamento e óbito em ofícios do Estado, criados e delegados a privados.
A partir de então, o registro deixa definitivamente de ser uma prerrogativa da Igreja Católica.
A entrada em vigor do Decreto 9886 deu-se em 1 de janeiro de 1889 como determinou o Decreto 10.044 de 22 de setembro de 1888. As forças que levaram a esta obrigatoriedade encontram-se na crescente pressão republicana e positivista.
De fato, em 15 de novembro de 1889 foi proclamada a República no Brasil, quebrando os últimos laços oficiais entre a Igreja e o Estado e o fim do regime de padroado.
A partir de 1890, todos os municípios brasileiros deveria estar dotados de pelo menos um ofício do registro civil. Nas grandes cidades criaram-se ofícios exclusivos para o registro civil, enquanto que nos médios e pequenos municípios o registro civil foi uma função acumulada pelos cartórios de notas, que normalmente já existiam.
Apesar da universalização, o registro civil demorou a ser “aceito” pela população, principalmente no interior do país, onde o controle religioso da Igreja Católica e a distância das áreas rurais aos cartórios impossibilitavam um maior índice de registros.
A imposição do casamento civil
O Decreto nº. 521 de 26 de junho de 1890 proibiu que se celebrasse matrimônio religioso antes da lavratura em assento de registro civil do casamento, impondo pena de seis meses de prisão ao ministro de culto (párocos católicos ou pastores protestantes) que infringissem tal norma, que não teve uma data única de entrada em vigor em todo território nacional, mas sim três dias após a publicação pelo juiz de direito de cada comarca..
A “Grande Naturalização” foi um decreto do Governo Provisório Brasileiro (Decreto nº58 A, de 14/12/1889), que estabelecia serem brasileiros todos os estrangeiros residentes no Brasil em 15 de novembro de 1889. Só estariam imunes ao Decreto os estrangeiros que tivessem manifestado anteriormente em seus respectivos municípios ou consulados o desejo de permanecerem cidadãos da nação de origem”.
Porém de acordo com nossa constituição:
Art 69 – São cidadãos brasileiros:
1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo este a serviço de sua nação;
2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República;
3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se;
4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;
5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;
6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
A CIDADANIA ITALIANA
…E OS ENTRAVES ATUAIS NO TRIBUNAL DE ROMA
Recentemente, o Ministerio da Justiça italiano colocou em cheque a nacionalidade de imigrantes italianos que estavam no Brasil no período tido como “Grande Naturalização”, e estes não poderiam então transmitir aos seus descendentes.
No final de 2019 a “Avvocatura dello Stato”, ex lege do “Ministero dell’Interno”, passou a levantar, nos processos judiciais de reconhecimento da cidadania iure sanguinis em Roma, a questão da chamada “grande naturalização brasileira”, requerendo o indeferimento dos pedidos de cidadania por motivos que são absolutamente censuráveis.
O Tribunal Ordinário de Roma, competente para processar e julgar os casos em primeira instância, rejeitou as contestações apresentadas em massa pela “Avvocatura dello Stato”, acolhendo, consequentemente, os pedidos judiciais da cidadania italiana em que a questão da grande naturalização brasileira tinha sido levantada pelo Estado italiano.
O “Ministero dell’Interno”, no entanto, não se conformou, e por isso passou a interpor recursos de apelação contra as decisões dos juízes de primeira instância.
Hoje, em 2022 o desafio está aberto e estamos ansiosos aguardando os próximos acontecimentos, pois a “Corte di Appello di Roma”, juízo de segundo grau, julgou sentenças ao nosso favor. Estamos firmes e positivos por já termos superado esse segundo degrau, mas ainda aguardamos o parecer do Ministerio Publico (Transito em Julgado) para saber se irá para a terceira instancia (Cassazione) ou não.
É Claro que essa intervenção da Advocacia do Estado Italiano tem a mera função de testar teses para tentar estancar o número de pedidos apresentados no Tribunal Ordinário Italiano em virtude da demora que ocorre nas filas consulares a que são submetidos os cidadãos ítalo-brasileiros em seus consulados de competência no Brasil e em muitos lugares no mundo.
O Tribunal Ordinário de Roma ressalta que o decreto brasileiro não foi bem acolhido pelos países estrangeiros cujos cidadãos tinham emigrado maciçamente para o Brasil.
E especificamente, no que diz respeito à Itália, não foi recepcionada, pois foi considerada inaplicável pela jurisprudência na época.
Como fonte jurisprudencial, um julgamento do Tribunal Superior de Nápoles de 05 de outubro de 1907 (tese hoje usada na defesa pelos advogados italianos) segundo as disposições gerais do Código Civil Italiano, que, em nenhum caso, as leis de um país estrangeiro poderiam violar as leis do Reino e os direitos de seus cidadãos.
A cidadania, conforme à lei da época (artigo 11 do Código Civil Italiano), só seria perdida em caso de renúncia expressa e transferência de residência para o exterior ou em caso de “obtenção” de cidadania estrangeira.
Para o Tribunal Superior, a palavra “obter” pressupunha um pedido prévio da parte interessada e, portanto, no caso de naturalização, significava a expressa manifestação do cidadão e ressaltava a impossibilidade de presumir a renuncia à própria nacionalidade por inércia, sem possuir a explícita forma da demonstração de vontade do cidadão.
A perda automática da cidadania italiana não pode derivar do não exercício de renúncia à cidadania brasileira.
O artigo 8º da Lei nº 555, de 1912 e, anteriormente, o Código Civil de 1865, evidenciam que a renuncia à nacionalidade italiana é ato consciente e voluntário.
Os imigrantes italianos eram em sua maioria analfabetos, não sabiam ler, e não conheciam as leis do país que acabavam de chegar.
Ao analisar as certidões de casamento dos italianos registradas no Brasil, verifica-se que os mesmos se declaravam italianos.
Segundo a Constituição da República de 1891, seriam considerados cidadãos brasileiros: “os estrangeiros que, achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro de seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o desejo de conservar a nacionalidade de origem”. Em sua grande maioria Lhes Foram imposta a nacionalidade tácita brasileira, sem que os mesmos tivessem tomando conhecimento. Não podendo assim, exigir que se manifestassem contrários a esta imposição dentro de um prazo de 6 meses.
A TESE DA “GN” EXTRAPOLA O JUDICIÁRIO
…E CHEGA NAS COMUNES ITALIANAS
A tal questão levantada pelo Tribunal extrapolou seu campo de ação inicial no judiciário e se concretizou numa bizarra circular do Ministero dell’Interno no âmbito administrativo, recentemente. A tal circular já foi enviada para todas as “prefetture” (governo do estado) e todas elas, cedo ou tarde, enviarão a mesma determinação para todos os municípios sob sua jurisdição.
E qual é essa determinação?
O Ministero dell’Interno determina aos municípios que os pedidos de reconhecimento de cidadania que envolvam um IMIGRANTE que tenha chegado ao Brasil antes de 15/11/1889 deverão ser adiados “sine die” (sem prazo) para um “momento successivo”. Essa lei durou até 1891.
Os pedidos não deveriam ser rejeitados pelas Comunes italianas – para quem está fazendo o processo administrativo com residência na Italia, mas devem ser “colocados na geladeira”. Mas, afinal, esse “sem prazo” é até quando? O Ministero dell’Interno sugere que seja aguardado um pronunciamento da “Corte di Cassazione”, órgão judiciário italiano que exerce funções semelhantes ao Supremo Tribunal de Justiça brasileiro.
E quando esse pronunciamento poderá ocorrer? Não se sabe. Pode ser no prazo de um ano, pode ser em cinco anos.